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Crítica | A Forma da Água

Guillermo del Toro revisita a estética clássica do cinema, mostrando o que há de mais encantador na 7ª arte


Os contos de fadas com pitadas de horror sempre foram o tipo de história capaz de encantar os sonhadores que sabem que o mundo não é feito somente de finais felizes. Talvez Guillermo del Toro seja um desses sonhadores. Afinal, seu trabalho mais aclamado até agora, O Labirinto do Fauno, é um filme que lembra muito os contos dos irmãos Grimm. E para a felicidade dos fãs de del Toro e desse estilo de contar histórias, A Forma da Água traz a violência e o encanto que parecem se tornar uma "assinatura" do cineasta.

Como em um livro, começamos o filme com uma narração. É uma breve introdução, feita na voz de Richard Jenkins, que vive o personagem Giles. Partindo daí, somos apresentados à nossa princesa: Elisa Esposito, vivida por Sally Hawkins. Ela é uma mulher muda, que acorda no meio da noite, prepara seus ovos cozidos, se masturba na banheira e visita seu vizinho ilustrador. Juntos, eles assistem filmes clássicos, com números de sapateado e tudo mais. Em menos de 20 minutos de filme já podemos aprender bastante sobre a protagonista e seu melhor amigo. E tudo isso feito de maneira muito fluida e poética, com cenários da década de 60 e uma trilha sonora perfeitamente harmônica com as ações de cada cena.

Depois dessa rápida apresentação, somos introduzidos ao ambiente em que ocorrem os principais eventos da trama: a instalação governamental super secreta em que Elisa trabalha. Lá conhecemos Zelda (Octavia Spencer), principal colega de trabalho de Elisa; Dr. Hoffstetler (Michael Stuhlbarg), um cientista apaixonado pelo que faz e que guarda um segredo importante; Fleming (David Hewlett), um funcionário destrambelhado que trabalha na área de segurança da instalação; Richard Strickland (Michael Shannon), um "machão" preconceituoso que antagoniza todos; e, obviamente, a "forma"/criatura do sempre performático Doug Jones.

Esses personagens secundários são bem trabalhados e possuem suas histórias, dilemas e opiniões. Zelda reclama do marido, Hoffstetler não gosta de obedecer a hierarquia militar e Strickland tenta manter as aparências de uma família ideal americana de um homem ideal americano. Fleming, contudo, acaba servindo mais como mero alívio cômico. Suas falas são bem encaixadas e ele não é um personagem que precise ser desenvolvido como os outros. Afinal, a forma com que os outros personagens representam e sintetizam de forma muito perspicaz a vida prosaica em casal, os dilemas da Guerra Fria e o machismo preconceituoso da época (respectivamente) já é suficiente para dar contornos mais complexos à história de amor que trata o longa. E isso sem contar como Giles representa os avanços tecnológicos do mundo artístico e o preconceito relacionado à sexualidade das pessoas.

O romance entre a protagonista e o ser anfíbio é tão estranho quanto pode parecer. Até mesmo a questão de relações sexuais é abordada de forma engraçada e com ares de cotidiano, sem polemizar demais. Mas, por mais estranho que pareça, as condições para o florescimento de tal relacionamento são convincentes. Em um mundo permeado por preconceitos, é mais provável que alguém de fora desse mundo possa nos amar pelo que somos. Ainda, a construção dessa relação, bem como os percalços que esses amantes devem passar para que fiquem juntos se aproveitam de belas montagens para dar sempre mais emoção aos acontecimentos, destacando-se a bela cena final; que acaba salvando um climax que parece se resolver de forma um tanto quanto apressada.

A Forma da Água é um filme que utiliza muitos elementos clássicos do cinema. O estilo da narrativa e dos personagens, a trilha sonora, a montagem... é um mergulho de cabeça nas mais belas águas da sétima arte. É, também, mais uma grande obra de Guillermo del Toro, que estava tendo problemas em seus últimos filmes (vide o deslize em Colina Escarlate). Certamente é um dos melhores filmes de 2017 (que só estreia no Brasil em 2018) e uma prova de que é possível utilizar o estilo dos clássicos para dar contornos contemporâneos à uma história atemporal.

NOTA: 9

Recomendações:

É mais que válida a recomendação de "O Labirinto do Fauno". Além desse outro filme de del Toro, "A Dama na Água" talvez seja do agrado desse público (ou então só sirva de contraste para mostrar como "A Forma da Água" e "O Labirinto do Fauno" são ótimos filmes)

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