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Crítica | O Insulto

Ninguém detém o monopólio do sofrimento


Uma calha e um insulto. Acontecimentos mínimos, mas suficientes para fazer sangrar uma ferida histórica que assola o Líbano. As marcas deixadas pela guerra civil no país perduram até os dias de hoje, com palestinos e cristãos convivendo em Beirute. E é nesse clima de convivência tensa que O Insulto constrói uma das narrativas mais interessantes do ano.

Indicado ao Oscar de "Melhor Filme Estrangeiro", o filme dirigido por Ziad Doueiri (do premiado O Atentado) é o primeiro longa libanês a concorrer nessa categoria. A importância de tal fato se da, talvez, pela forma com que a produção trabalha a situação dos embates étnicos e religiosos no oriente médio e, ainda mais importante, a mensagem deixada ao fim da história contada.

Essa história, aliás, pode parecer tão simples quanto o título do longa. Mas não se deixe enganar. As nuances de cada personagem, suas relações e backgrounds são trabalhados de maneira precisa para dar peso a cada evento e cada argumento que se manifestam na tela. E tudo isso sendo guiado por ótimas atuações, com destaque para os protagonistas Tony (Adel Yaram) e Yasser (Kamel El Basha). O primeiro sendo um libanês cristão, militante político; e o segundo sendo um palestino refugiado tentando trabalhar.

O antagonismo histórico entre os grupos aos quais pertencem estes personagens alimenta a rixa entre os dois, que começa numa discussão por conta de uma calha quebrada e vai parar na suprema corte libanesa, contando com participação até mesmo do presidente. Usando o histórico da região como pano de fundo para as motivações de cada lado do debate, o filme consegue explicar de maneira didática e emocionante os conflitos no oriente médio. Importante notar que o longa não estabelece "um lado certo", por mais que transite propositalmente entre momentos de apoio a cada ponto de vista. A ideia é, portanto, deixar que o espectador entenda as feridas de cada lado, como as pessoas sofreram e o que motiva a beligerância de seus atos. Não cabe ao filme dizer quem sofreu mais, justamente porque, como diz o advogado Wajdi Wehbe, interpretado de maneira primorosa por Camille Salameh; ninguém detém o monopólio do sofrimento.

E há muito sofrimento em O Insulto. Além das marcas da Guerra Civil Libanesa e seus reflexos no debate principal do filme, personagens "secundários" dão ainda mais carga ao complexo conflito da trama. As esposas dos protagonistas, interpretadas por Christine Choueiri (Manal Salameh, esposa de Yesser) e Rita Hayek (Shirine Hanna, esposa de Tony) mostram como sofrem as mulheres diante de um embate cultural que é protagonizado por homens. Principalmente Shirine, que passa por duras provações durante o processo por conta da teimosia de seu marido. Além delas, a personagem de Diamand Bou Abboud, Nadine, é uma advogada que também tem suas provações familiares e precisa provar o seu valor. Todas e todos precisando lidar com seus sofrimentos.

O ponto negativo da trama acaba sendo a forma com que a história dos personagens se mistura à história da região durante o processo jurídico. Embora a temática do longa seja algo fora do usual, a forma com que o roteiro apresenta os eventos no tribunal como um trunfo inesperado, sem haver um plant bem feito anteriormente, diminui a coesão do roteiro. Felizmente, isso não é algo capaz de minar o impacto dos eventos relatados.

Com uma boa trama e atuações convincentes, O Insulto se apresenta como fortíssimo candidato ao Oscar, além de se estabelecer como um filme que traz uma visão importante sobre os acontecimentos no Oriente Médio. Uma ótima experiência para aqueles que apreciam as produções audiovisuais que podem ensinar sobre a história e geopolítica do conturbado mundo em que vivemos.


NOTA: 8








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