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Crítica | Roda Gigante (Wonder Wheel)

Novo filme de Woody Allen homenageia Eugene O'Neill em belas cores e boas atuações, mas carece de densidade psicológica nos dilemas abordados


Eugene O'Neill foi um dramaturgo estadunidense que teve como principal marca de suas obras as tragédias pessoais de seus personagens, iludidos por aspirações de uma vida melhor que os tirasse de sua própria inocuidade.

O novo filme de Woody Allen (Blue Jasmine), Roda Gigante (Wonder Wheel), referencia por várias vezes a obra de O'Neil, inclusive em sua temática. A personagem principal, Ginny, interpretada de forma intensa por Kate Winslet (Titanic, Eterno Brilho de Uma Mente Sem Lembranças), não consegue se manter feliz e acaba colhendo os frutos amargos dos próprios atos.

Ginny é uma garçonete na transição dos 40 anos que, certo dia, é surpreendida no trabalho com a chegada de Carolina (Juno Temple, de Mr. Nobody, Malévola), filha de seu marido. A chegada inesperada de uma filha que estava afastada de certo é um evento que muda a dinâmica de uma família. Agora, imagine se essa mesma filha está fugindo da máfia italiana depois de separar-se de seu marido gângster. Algo que deixa as coisas muito mais agitadas, não é mesmo? O trailer do longa parece confirmar isso, mas esse problema passa longe de ser o principal conflito.

Humpty (Jim Belushi, de O Escritor Fantasma) é o marido abusivo de Ginny e o pai esforçado de Carolina. É também o padrasto arrogante de Richie (Jack Gore, de Somos O Que Somos), filho de Ginny. Belushi encarna bem todas essas facetas, passando com vigor os sentimentos conflitantes do personagem, além de ser um importante catalisador do desenvolvimento de Ginny.

Outra figura importante é Mickey (Justin Timberlake, de Inside Llewyn Davis: Balada de um Homem Comum),  estudante de poesia, salva-vida e amante de Ginny; que narra a história e inicia a transformação da personagem de Winslet. É um personagem bem interpretado, no estilo de garanhão pseudo-sensível típico dos anos 1950.

O filme, em grande parte, acaba sendo a disputa de forças que agem sobre Ginny: um marido que não atende suas necessidades da alma, mas representa conforto e a ajudou quando precisava; uma enteada indesejada que está prestes a roubar seu amante; um amante jovem e cheio de esperanças que acaba sendo uma grande decepção; e por fim, funcionando as vezes como alívio cômico, um filho piromaníaco que representa o "grande erro" da vida de Ginny.

Essa terrível situação em que a protagonista se encontra, conjuntamente com a atuação de Winslet, causa uma sensação de incômodo no espectador, que pode até compadecer-se com a personagem ou odiá-la completamente. Mas, infelizmente, os diálogos teatrais e as opções de cena não estabelecem uma conexão tão dramática com o público ao ponto de extrair mais do que apenas sensações efêmeras do público. Não se cria uma atmosfera de empatia extrema, talvez pela ausência de trilha sonora, na maior parte do tempo; ou pelos enquadramentos que parecem reproduzir um palco de teatro na tela do cinema, afastando o espectador.

No final das contas, o que deveria ser uma tragédia acaba sendo, na verdade, uma situação trágica com ares quase cotidianos. A roda gigante voltando ao ponto de partida. A atriz mantendo a interpretação da personagem que escolheu para si, sob a luz do palco, escondendo uma alma destruída. E é difícil se conectar com essa alma. O longa acaba sendo a roda gigante de situações de insegurança e frustrações que nunca sai do eixo rumo à grande tragédia.

Ao menos o visual é esplendoroso. Vittorio Storaro, que já ganhou um oscar de melhor fotografia por Apocalypse Now, entrega cores que dançam de acordo com o desenrolar das cenas, utilizando luzes estonteantes nos diversos momentos na praia de Coney Island. Ainda assim, infelizmente, não muda o fato de que a trama acaba sendo um passeio sem maiores surpresas por um terreno já exaustivamente trabalhado por Allen. Curiosamente, o romance entre a mulher mais velha e o jovem cheio de vida, combinado à intriga entre madrasta e enteada parece reproduzir ironicamente a vida do diretor e roteirista. 

Roda Gigante é, portanto, um dos filmes menos marcantes de Woody Allen, sendo salvo pela ótima atuação de Kate Winslet e pelo visual fantástico produzido por Storaro; com uma história que acaba parecendo uma mera repetição, sem dar profundidade aos dilemas apresentados.


NOTA: 6,5





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