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Crítica | Assassinato no Expresso do Oriente

Nova versão cinematográfica tem ótimo design de produção, mas narrativa perde força em alguns momentos


Em sua nova versão cinematográfica, dirigida por Kenneth Branagh, o romance policial de Agatha Christie ganhou uma espécie de prólogo. Nessa sequência inicial vemos uma Jerusalém esplendorosa, que já demonstra o poderoso visual que a produção tem, com boas caracterizações de época, e criando uma atmosfera imersiva. Também temos nosso primeiro contato com o detetive Hercule Poirot (que é muito bem interpretado pelo diretor Kenneth Branagh), e somos apresentados aos primeiros traços de sua personalidade: um olhar perspicaz para imperfeições (praticamente uma espécie de TOC), um coração bondoso e um senso dualista de certo e errado. Essas características são importantes para o arco do próprio personagem dentro da trama, mas algumas delas parecem perder importância no desenrolar da história, como sua aparente habilidade para prever o comportamento das pessoas ao seu redor (vide momento da cena com a bengala).

Como o próprio Poirot fala no filme, todo mundo tem direito à uma coincidência, inclusive ele e o filme. A própria presença do detetive no vagão em questão deriva de uma certa coincidência. Fora isso, nenhuma cena que constrói a trama é obra do acaso. Tudo é planejado, seja com antecedência ou de supetão, em um improviso calculado. A direção mantém pontos de vista devidamente comedidos, sem comprometer a surpresa ao final para aqueles que não estão familiarizados com o romance de Christie. Da visão aérea da cena do crime no momento da revelação do assassinato, até as palavras usadas nos diálogos, recebemos peças de um quebra cabeça que parecem mudar a imagem completa a cada novo enquadramento. O problema é a forma com que essas peças são juntadas.


Enquanto Hercule e seu majestoso bigode (que tem até uma máscara de dormir, por curiosidade) precisam lidar com os preconceitos racistas e sociais dos passageiros/suspeitos, mas não há uma sensação de urgência, seja para encontrar o assassino, seja para manter a paz entre os passageiros. O que move o investigador parece ser sua incapacidade de compreender de forma completa as imperfeições que encontra enquanto investiga, mas isso não é exatamente um perigo, de forma que demora até que haja alguma situação de real emoção que mova a trama de forma mais rápida e enérgica até seu desfecho.


Infelizmente não foi possível mostrar todo o potencial do estrelado elenco do filme, que conta com Johnny Depp, Daisy Ridley, Michelle Pfeiffer e Williem Dafoe. Os 114 minutos (1h e 54min) dão destaque aos personagens mais vitais ao mistério, mas as vezes parecem ser insuficientes para que outros tenham seu momento apropriado de construção. Contudo, quase que paradoxalmente, alguns desses mesmos 114 minutos parecem ser uma eternidade, de maneira que solucionar o crime não pareça mais tão interessante assim.

O desfecho do filme e os eventos que o sucedem acabam parecendo algo frustrante, muito por conta desse ritmo lento ao longo da investigação, sem muito senso de perigo e urgência. Quando as peças finalmente se encaixam, a imagem formada parece ser algo sem vida, contrastando com a beleza da fotografia do filme. Ainda assim, há algo de promissor no protagonista ao fim do filme: sua visão de mundo passou por uma provação e o mundo agora não é simplesmente preto e branco. Resta saber se essas mudanças e essa evolução no personagem será mantida (e aperfeiçoada) na já anunciada continuação.

Nota: 6,5

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Fãs de Sherlock Holmes podem não gostar tanto por conta da mudança de tom no protagonista. Holmes é mais sarcástico, enquanto Poirot é mais sensível. Para os amantes de mistérios policiais clássicos pode ser uma boa pedida.

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